Nesta terça-feira (24), a Corte Constitucional da Itália se reuniu para discutir um tema que afeta milhões de descendentes de italianos em todo o mundo, especialmente no Brasil, Uruguai e Argentina.  

O foco do debate foi o direito à cidadania italiana iure sanguinis, previsto no artigo 1º da Lei nº 91/1992, o que dá à audiência um tom inédito. Isso porque pela primeira vez na história, o mais alto tribunal constitucional italiano analisou a possibilidade de impor limites geracionais a esse direito.  

Embora o objeto direto da audiência fosse a legislação de 1992, a nova Lei nº 74/2025 (originada do Decreto-Lei nº 36/2025) entrou no centro do debate por introduzir mudanças significativas no processo de reconhecimento da cidadania. 

Além disso, o entendimento final da corte a respeito da constitucionalidade do ius sanguinis poderá reforçar ou abrir precedentes para possíveis mudanças na recente lei de cidadania italiana sancionada.  

Motivo da audiência 

Os tribunais de Bolonha, Roma, Milão e Florença enviaram à Corte Constitucional questionamentos sobre a validade constitucional da legislação de 1992, que garantia o direito à cidadania italiana sem qualquer limite de geração.  

No ato, os respectivos tribunais acabaram por colocar em análise jurídica os pedidos de reconhecimento da cidadania realizados por descendentes nascidos no América do Sul, já que a distância parental dos requerentes inscritos no processos com o italiano transmissor da cidadania evidenciava uma suposta ilogicidade da norma. 

Segundo os juízes, a Lei nº. 91/1992 permite que ítalo-descendentes, residentes no exterior, e que, aparentemente, “não possuem laços culturais com a Itália”, possam adquirir a cidadania italiana por meio do princípio ius sanguinis, contrariando a noção de povo explicitada na Constituição do país.  

Opinião de especialistas 

Durante a audiência, representantes legais das associações AUCI (Avvocati Uniti per la Cittadinanza Italiana) e AGIS argumentaram que a nova lei desrespeita o passado da Itália como nação de emigrantes e ignora vínculos reais com a cultura italiana, como idioma, tradições e valores.  

Para essas entidades, a cidadania italiana é uma extensão da identidade nacional construída ao longo de séculos de emigração. 

Na sequência, os advogados de defesa do ato reiteraram que a lei 74/2025, embora não fosse o objeto central do debate, fere o princípios constitucionais, como da igualdade e da confiança legítima, já que milhares de famílias vêm organizando suas vidas com base nas leis anteriores. 

Por fim, audiência seguiu com o apelo do reconhecimento do caráter inconstitucional da nova lei, especialmente em sua retroatividade e limitação geracional por meio de uma “operação cultural” de reparação histórica, reafirmando o valor da cidadania italiana como expressão da continuidade do povo italiano dentro e fora do território da Itália.  

O advogado Marco Mellone, em defesa dos requerentes envolvidos na arguição de insconstitucionalidade, proferiu uma fala marcante, que sintetiza o objetivo de todas as entidades e juristas que estavam presente na audiência: 

“Estamos aqui, Presidente, para salvar o Estado da sua própria ineficiência administrativa.” 

O que mudou com a nova lei? 

A Lei 74/2025, atualmente em vigor, restringe o direito à cidadania italiana apenas a: 

  • Quem nasceu na Itália 
  • Ou quem descende de pais ou avós exclusivamente italianos. 

Essas regras passaram a valer retroativamente para pessoas nascidas entre 1865 e 2025. Isso significa que muitos processos de cidadania em andamento podem ser colocados em risco, caso a Corte Constitucional considere a limitação geracional legítima. 

E o que acontece depois? 

A Corte Constitucional ainda não divulgou se mantém ou revoga os efeitos da Lei 74/2025. Até o momento, somente 3 caminhos são possíveis: 

  1. Confirmar a constitucionalidade da nova lei e validar as restrições; 
  1. Declarar inconstitucional a retroatividade, preservando direitos adquiridos; 
  1. Voltar a questão ao Parlamento, indicando os pontos que violam a Constituição. 

Mesmo que ainda não exista decisão oficial, o tom das sustentações foi claro: há um movimento forte em defesa da cidadania como direito legítimo, histórico e cultural dos descendentes. 

Assim, a expectativa é que a Corte Constitucional chegue a uma decisão equilibrada, considerando a história, a justiça e o pertencimento de todos os povos italianos. 

Tribunal de Turim: o primeiro a ir contra à nova lei

O tribunal de Turim foi o primeiro órgão do judiciário italiano a contestar a nova lei de cidadania. Somente 3 meses depois da entrada em vigor do decreto 36/2025, o foro remeteu um processo à Corte Constitucional da Itália questionando a constitucionalidade da legislação em vigor.

O ato iniciou por meio de uma ação apresentada pela AGIS (Associação Giurtisti Iure Sanguinis) em conjunto com a AUVI (Avvocati Uniti per la Cittadinanza Italiana). Como já mencionado, o processo foi prontamente aceito pelo juiz do tribunal e, posteriormente, encaminhado à corte italiana.

No questionamento, as entidades envolvidas solicitaram ao Tribunal de Turim a análise da inconstitucionalidade da lei 74/2025. Lembrando que o foro poderia contestar ou não a validade do decreto.

Assim, o juiz responsável decidiu por submeter à Corte Constitucional o questionamento levantado pelas associações junto a juristas constitucionalistas contratados para elaborar o estudo sobre a lei em questão.

Os principais pontos de inconstitucionalidades pontuados no processo foram:

  • a nova lei tem efeito retroativo, implicando diretamente no acesso à cidadania de descendentes que possuíam direito antes da publicação do decreto;
  • a legislação viola princípios da Constituição italiana, como o de igualdade, segurança jurídica e proteção dos direitos adquiridos;
  • a nova lei vai contra as normas propostas por tratados internacionais firmados pela Itália.